Buscando um senso de valor

Eu tinha uns 14 anos quando eu me determinei a realizar um plano muito ambicioso. A meta seria me tornar o brasileiro mais jovem a ser contratado como desenhista de quadrinhos por uma das maiores editoras de super-heróis do mundo: A Marvel ou a DC Comics. O plano tinha o objetivo que isso viesse a ocorrer quando eu atingisse os meus 18 anos, então eu teria que me dedicar bastante. Eu acho que na verdade existia muita presunção por trás desse desejo. Era um desejo meio obsessivo pelo sucesso que mascarava o vazio e a insatisfação de existir sem algo que me fornecesse um senso de valor.

Eu não acho que seja errado desejar tal posição em uma dessas editoras super famosas mas chegar lá é muito difícil. Muitos querem mas poucos conseguem. É como se tornar um jogador de futebol em um time grande. Não se aposta todas as fichas em algo tão improvável mas pra mim era tudo ou nada.

Naquele tempo eu ouvia falar de vários talentos brasileiros que entraram nessa indústria de quadrinhos e nessas grandes editoras. Uma rota comum dos que seguiram esse trajeto é começar trabalhando como freelancer ou então ingressar nas editoras nacionais ou independentes para então ir se destacando até entrar nas intermediárias de grande alcance e depois chegar nas editoras do topo.

Desenhar sempre foi um hobby desde que eu me entendo por gente. Depois eu passei a me especializar porquê eu queria viver da arte e mais nada. Eu gastava horas e dias inteiros na minha mesa de desenho aperfeiçoando as minhas habilidades no traço. Muitos dos meus fins de semana eram sacrificados porquê eu tinha um objetivo maior: Eu trocava a noite e as festas pela prancheta, o lápis e o papel.

Como um desenhista da Marvel ou da DC eu viveria muito bem com os dólares que eu receberia para então alcançar a minha liberdade e a minha independência. Eu poderia trabalhar à distância de forma remota e ainda ganhar muito bem por isso.

Na realidade eu mirei as estrelas e acertei a lua. Certa vez eu passei na primeira fase de um teste para ser aceito como desenhista de uma editora nacional, mas depois fui reprovado na segunda fase, o que me desanimou porquê eu percebi o quão longe eu ainda estava do meu objetivo. Eu não sabia mais o que fazer pra evoluir e melhorar. Apesar disso nessa altura do campeonato as pessoas “comuns” já gostavam demais do que eu fazia. Eu não tinha paz.

No colégio parece que tudo foi saindo do controle porquê eu tive alguns problemas ao lidar com a proporção dessa situação. Na hora do intervalo vinham pessoas de todas as séries e se aglomeravam na minha sala pra me ver desenhar ou pra pedir retratos. Eles me pagavam pra mim fazer desenhos e caricaturas. Então eu voltava pra casa com os bolsos cheios dos trocados que eu cobrava e com uma lista de trabalhos pra entregar. Eu fui me sobrecarregando demais com a carga de trabalho e com a complexidade de lidar com a insatisfação das pessoas pela dificuldade de descobrir o que elas estavam querendo exatamente. Cada desenho tinha a sua própria complexidade. Mas adquirir uma certa fama a nível local também prejudicou um pouco a minha cabeça, ainda mais pela minha pouca capacidade de processar a loucura desses eventos. Várias pessoas que eu não conhecia vinham se aproximar. De repente eu estava sendo admirado por pessoas desconhecidas e me peguei em uma situação de ter que agradar um monte de gente que depositava expectativas em mim. Uma neurose se instalou em minha mente. Parecia que eu não pertencia mais a mim mesmo: A minha vida era dos outros. E eu não poderia simplesmente chutar o balde e parar com tudo porquê isso me dava um senso de valor que eu não queria abrir mão.

Com 18 anos eu não consegui atingir o objetivo que eu tinha de trabalhar para a Marvel ou para a DC mas nesse período aconteceu outra coisa que mudou completamente a minha vida. Eu fui sendo evangelizado até ser completamente seduzido pelo Evangelho de Cristo. Eu só queria mergulhar em sua profundidade, então tudo foi sendo ressignificado na minha mente. Eu passei a reconsiderar o que era realmente importante e valioso pois quando eu passei a viver pela Palavra e pelo seu poder todo o resto se tornou apenas secundário devido à grandiosidade do significado, da intensidade das experiências vividas e das alegrias experimentadas. Eu queria cumprir o chamado de Deus para viver intimamente ligado a ele como um ramo na videira. Eu queria estar seguindo-o bem de perto e não de longe.

Eu passei a trabalhar como programador mas o meu sonho era largar mão de vez de qualquer atividade corporativa tradicional assim como eu idealizava anteriormente, mas dessa vez para viver então somente da dedicação exclusiva às coisas do reino de Deus, as quais me fizeram sentir alegria plena e completude. Eu finalmente consegui entender de onde vinha o meu verdadeiro senso de valor e de onde eu deveria busca-lo.

Não importava mais pra mim se eu viveria de doações para comer ou se eu viveria em um alojamento de alguma igreja. Eu só queria pregar e espalhar a palavra de Deus para que as vidas humanas fossem impactadas e transformadas por essa mensagem de amor. Eu orava para que Deus me levasse até os “cativos” e “oprimidos”. Isso aconteceu porquê eu tive a oportunidade de participar de trabalhos evangelísticos e assistenciais. Então eu sempre desejei que um dia eu tivesse que parar com o trabalho secular e viver da pregação como um pregador intinerante. Apesar disso eu nunca cheguei a parar de trabalhar em setores corporativos de fato. Mas dinheiro não era algo mais tão importante pra mim diante do que eu vivia.

Depois eu fui entendendo que não seria saudável depender da “igreja” para sobreviver porquê a “igreja” institucional é um sistema corrompido. Se eu quisesse viver o reino de Deus eu teria de viver apesar da instituição e não em função dela. É muito melhor depender de mim do que ficar sujeito às ordens malucas e às imposições dogmáticas da engrenagem de controle da religião. Isso eu vim constatar depois. Portanto eu acredito que é importante que o cooperador do Evangelho tenha um trabalho próprio para sobreviver, pagar as contas e suprir as suas necessidades.

No entanto a liberdade que temos para alcançar determinados tipos de sucesso não nos chancela para viver em função daquilo que normalmente chamamos de sucesso pois o Evangelho ensina que as coisas que são elevadas diante dos homens podem ser abominação diante de Deus. Os parâmetros de sucesso de Jesus não são o que essa “igreja” institucionalizada ensina aos seus seguidores, que se tornaram adoradores de Mamóm, ou idólatras da riqueza, do poder e das posses.

Eles distorcem completamente o significado mais essencial e estabelecem como prioridade aquilo que deveria ocupar uma posição relativa e secundária na vida de cada um que queira viver a fé cristã genuína.

O verdadeiro sucesso do servo de Deus é guardar a fé e viver com a consciência acesa, praticando todos os dias o Evangelho de Jesus, vivendo em constante oração e comunhão com Deus, aprendendo a servir o próximo, especialmente os que necessitam mais de ajuda, seja esta qual for, diante de suas capacidades.

Depois de muito tempo eu finalmente entendi também que entrar em uma tentativa de buscar o sucesso humano pode ser uma armadilha contra a nossa própria busca pela realização mais essencial. Existem ânsias que pulsam no nosso interior clamando por uma resolução.

Não dá pra procurar as glórias humanas e ao mesmo tempo a glória de Deus pois você ficará dividido.

Não dá pra amar as duas coisas ao mesmo tempo pois elas competem a sua atenção e disputam o trono da sua devoção.

Jesus disse que ninguém pode servir a dois senhores pois odiará um e amará o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro.

Ele disse:

“Vocês não podem servir a Deus e ao Dinheiro”.

Jesus não era comunista e nem pregava o igualitarismo. Na parábola dos talentos ele ensinou que cada um recebeu diferentes tipos e quantidades de recursos e capacidades. Mas ele também ensinou sobre a compaixão, o amor solidário e a prática benevolente. De modo que a sua filosofia não pretende invalidar as leis da semeadura e do esforço mas a matemática simples da distribuição desproporcional de recursos e a incapacidade de muitos que nasceram sem oportunidade ensina que a avareza pode ser um atentado cruel contra o marginalizado ou o menos privilegiado que também precisa comer e viver com dignidade.

Uma pequena parcela de bilionários e milionários detém a maior parte das riquezas e o controle dos recursos que existem no mundo. Enquanto isso a maioria das pessoas passam necessidade ou vivem na miséria, sem o básico de seus direitos mais fundamentais.

São os banqueiros e os grandes empresários que financiam as campanhas eleitorais. O poder político-econômico não está interessado em acabar com a pobreza. Os mega empresários querem aumentar os seus lucros e os políticos querem ser eleitos. A essa gente poderosa não interessa destinar parte dos seus bilhões para fornecer educação de qualidade para a população, o que reduziria a miséria e produziria menos desigualdade. Dessa forma o destino do orçamento público está na mão de poucos poderosos e ele não é direcionado às causas sociais que necessitam de mais urgência, ainda que sejam os pobres que paguem mais impostos no Brasil por causa da maior incidência de tributos sobre o consumo. Aos ricos a pobreza é útil porquê ela produz mão de obra abundante e barata, o que potencializa os lucros do empresário e o ajuda a consolidar as suas corporações e os seus impérios.

Jesus não é contra o desenvolvimento profissional e a busca por condições melhores de vida mas também não é a favor da miséria e da necessidade extrema. O seu ensino só reforça o cuidado para que aqueles que têm mais não tenham demais a ponto de esbanjar enquanto muitos passam necessidade e aqueles que têm menos não tenham de menos a ponto de lhes faltar o mais básico para a vida. É por isso que os que têm mais têm o dever de servir os que não têm quase nada. Fazer isso deveria ser considerado um privilégio pois a satisfação em direcionar partes dos recebimentos pra quem necessita será muito maior do que viver em função de acumular para si próprio, para a vaidade e para uma finalidade egoísta e sem propósito.

“E direi a minha alma: Alma, tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e folga. Mas Deus lhe disse: Louco! esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será? Assim é aquele que para si ajunta tesouros, e não é rico para com Deus.” (Lucas 12:19-21)

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